A pintura é um enigma do visível, seu verdadeiro conteúdo vai além do que a nossa retina registrada. Para apreendê-la é preciso não apenas "ver", mas visualizar, isto é, captar pela nossa sensibilidade a subjetividade da coisa vista. A prova "evidente" disso temos ao contemplarmos os desenhos de Regina da Costa.

A distinção entre "ver" e "visualizar" ocupa a mente dos teóricos de arte, escrevendo alentados volumes a respeito. Esse esforço contínuo se justifica pelo fato de uma obra de arte não constituir um objeto cuja identificação se esgota à primeira vista, pois trata-se de um objeto de expressividade estética que apela para a sensibilidade, que varia de um espectador para outro, assim como, de um teórico ao outro.

A transposição discursiva de uma obra de arte é antes de tudo uma tarefa de ordem artística, que nem sempre é conseguida pela especulação teórica. Portanto, a decifração do enigma não se encontra necessariamente na erudição dos tratadistas, mas encontra-se, de preferência, na intuição artística dos poetas. Dessa maneira fica mais uma vez confirmado o dito: Similia similibus curantur, parafraseando: a arte se explica pela arte.

A grande poetisa mineira Henriqueta Lisboa, mestre exímia da palavra poética, abordou o problema do "visível" numa obra de arte.

No seu livro "Morada do Ser" há um poema a respeito que diz: "Recrio o visível a meu desejo / Com particulares matizes / Invento o visível de acordo com os meus próprios olhos / Para através do cotejo / Os novos prismas outros olhos os vejam". Eis aqui, em poucas linhas, um tratado inteiro sobre o problema. A "Morada do Ser" para Henrique ta Lisboa é a poesia, e para Regina da Costa Val é a pintura, ambas se completam na tarefa de criar "novos prismas para que outros olhos os vejam"

"Inventar o visível", isto é, criar algo de original é a essência da produção artística, que Regina consegue admiravelmente bem. Suas pinturas e desenhos são feitos com "particulares matizes" dos quais fala Henriqueta Lisboa, e esses matizes são de alta expressividade estética. Os desenhos se caracterizam por peculiaridades morfológicas, formas rítmicas deformadas, de grande intensidade emocional, em concordância com a forma neo-expressionista, envolvendo a interioridade do ser humano, na qual Regina ocupa um lugar de destaque.

Sua pintura objetiva a subjetividade em forma perceptível através de uma plasticidade singular. Essa singularidade não acompanha os padrões tradicionais (e superficiais) que se convenceu chamar "bonito". Um trabalho bonito, pode, às vezes ter um valor artístico mas uma obra de arte não precisa ser necessariamente bonita para ser classificada como tal.

A pintura neo-expressionista não cuida da beleza tradicional, que se esgota à primeira vista, e é cansativa ao ser contemplada com freqüência.

Ao contrario disso, uma obra de arte, quanto mais observada, mais beleza oculta revela.

Um trabalho neo-expressionista não se presta para o simples enfeite de parede: tem um sentido mais profundo, contêm uma ressonância sublime, mantém um diálogo silencioso e constante com o espectador e desfaz que cerca o ambiente familiar.

Os trabalhos de Regina preenchem cabalmente essas condições.

Como se sabe, um bom pintor é sempre um bom desenhista; o contrário nem sempre ocorre, e Regina não foge dessa regra. Ela domina perfeitamente as duas formas das artes plásticas.

Seus desenhos atendem às exigências dos mais consagrados mestres da pintura, sem ela tomar conhecimento disso. "O centro da gravidade de uma pintura, diz Paul Klee, reside na representação de um conteúdo de simultaneidade multidimensional por uma simples plasticidade". "Uber die moderne Kunst" opud Hofstadter, p.94. Exatamente o que caracteriza os trabalhos da Regina: simplicidade estrutural e beleza em profundidade.

Em seus trabalhos ela procura garimpar plasticidade os sentimentos profundos do ser humano, o que ela consegue graças à varinha mágica de seu talento artístico. Assim, em seus desenhos ela não segue simplesmente uma linha, mas traça, imprimindo um toque pessoal ao curso da mesma. A diferença entre uma linha traçada e uma linha seguida é que a primeira obedece aos impulsos da intuição criativa, e no segundo caso, a mão do artista segue uma linha previamente projetada. Esta até pode ser mais perfeita, mas é despida de carga emocional de estranha imperfeição, que toda obra de arte tem, enquanto tal. Trata-se de dar à imagem criada pela intuição uma expressão estética plasticamente articulada, conjugando a técnica com a intuição criativa.

Ela consegue conciliar os problemas da forma, da cor e da significação dos desenhos de maneira admirável. Colorir corretamente um desenho não é tarefa fácil. Assim, o colorido de uma pintura encontra seu equilíbrio na lógica da estrutura arquitetônica do quadro. Mas no desenho a cor tem que acompanhar o movimento da linha, que segundo Ingres, ela, a linha, deve expressar até a fumaça e seu acerto depende unicamente da sensibilidade do artista. Nesse particular ele está só, não pode recorre a ninguém, a não ser a seu próprio talento, pois uma cor imprópria afeta o desenho todo. Aí a cor tem uma função psicológica, que é a substância primária na produção artística. A graduação cromática e movimento da linha nos desenhos da Regina, adquirem um equilíbrio perfeito. Ela faz o branco integrar dentro da estrutura cromática, uma essencialidade pictórica raramente conseguida.

"O que faz de uma composição uma arte?" Pergunta o professor Albert Hofstadter e ele responde: a verdade interior. Eis a definição precisa da obra de Regina: ela é verídica.

Por isso sua contribuição para a pintura moderna brasileira é de maior significação cultural, Cabendo-lhe, portanto, o centro do podium da arte nacional.

 

ISAÍAS GOLGHER

Crítico de Arte e Historiador